quarta-feira, 12 de junho de 2013

A Primavera

Era a primeira semana de setembro e esperava ansiosamente o lançamento da sétima edição da revista Friburgo, dedicada a publicação de narrativas curtas e que continha uma história minha, a primeira pela qual ganhei alguns trocados.

Tentava diminuir meus louros, mas ao pensar nos leitores assíduos da revista que desde seu início teve um bom número de vendas, não conseguia expressar a felicidade infantil de ter quem pousasse os olhos sobre minha história para, no final da edição, refletir quais foram as melhores narrativas.

Tudo pareceu-me uma fortuita obra do acaso quando por impulso enviei cinco de meus contos à editora responsável pela publicação. Dois meses se passaram em silêncio até uma resposta em meu e-mail dizendo que um dos editores estava surpreendido com minha prosa e entre diversos autores consagrados, decidiu-me de dar um espaço na edição.

Eram nove horas da manhã e entrei na livraria assim que abriu, de longe, um dos funcionário me reconheceu, o mesmo que dias atrás me dava evasivas afirmando que o livro chegaria quando chegasse, suas palavras. Fui até o balcão de café tamanha ansiedade e pedi um expresso e um pão de queijo para me alimentar. Sai de casa as pressas sem tempo para desjejum.

Aos poucos, observei que diversas caixas chegavam e, vez ou outra, o funcionário olhava em minha direção. Não sei se para me dar esperanças ou para saber se ainda permanecia no local, como fiz na última semana e meia. 

Meia hora depois, em que já tinha devorado meu alimento e estava no segundo café, o homem me abordou afirmando que um lote da editora chegara. Gentilmente, deixou-me acompanhar o processo, ciente de que eu, como um pai, deveria ser o primeiro a conhecer o rosto de meu filho.

Era uma caixa com cinquenta exemplares da Friburgo, composta somente por textos curtos, em tradicional formato de livro. Em minha mãos parecia um tesouro e logo coibi minha timidez e cheirei suas folhas com o mesmo prazer de um jantar delicioso. Um pouco trêmulo fui para o indice. Milton Hatoum, John Banville, José de Alencar, Amos Oz e meu nome. Dois prenomes e um sobrenome os quais comecei a assinar meus textos há dez anos. Minha jornada dentro do mundo da literatura e da casa dos leitores começava na página 60.

Ao abri-la, um emaranhado de letras sobrepostas se encontravam no lugar de meu texto. Creio que soltei um pequeno grito que assustou o vendedor. Folheando o livro rapidamente, percebi que a narrativa de Amos foi impressa sobreposta da minha, em um defeito estúpido de impressão. Somente era possível ler meu nome e o título pomposo a qual meu conto de estréia foi nomeado.

Joguei este exemplar ao chão, na esperança de um erro único mas não, o segundo, o terceiro e, por fim, o lote todo com cinquenta exemplares tinham destruído minha obra. Quis correr pela livraria até a estante de Oz, derrubando toda sua obra disponível, mas ele não era culpado. 

Desesperado, entrei em contato com a editora, mas ninguém atendia. Minha estréia foi fadada ao fracasso porque um desleixado colocara dois textos distintos para ocupar uma mesma página em branco. Desolado, sentado em um dos bancos da livraria, o vendedor tentou me animar dizendo que entraria em contato com a editora, pedindo a devolução dos exemplares.

Devolução, pensei, devolução à minha vida medíocre de escritor não publicado. Não, por favor, venda-os imediatamente, diga que é um poema dadaísta e concreto. A literatura é tão múltipla, é capaz que alguns, poucos, na verdade, encontrem um significado em minha escrita fundida com a de Oz. 

Tamanho era meu desespero que imaginei que ninguém poderia me ajudar. Permaneci na livraria por mais uma hora, na mesma cadeira, sem que ninguém me incomodasse. O celular vibrou em meu bolso e era o editor da revista. Como, lhe perguntei, você foi capaz de fazer isso comigo, dando-me falsas esperanças e não publicar nada. Calma, me disse, foi um erro grotesco de impressão que teremos de consertar. Pediremos que todo o estoque seja reenviado para nós e daremos um jeito.

E aqui estou eu. Na última semana de setembro, amargando três semanas de espera para um conserto que não deveria ter acontecido. Ansioso para ler minha primeira obra que dessa vez terá um espaço somente dela. Neste tempo estive todas as manhã na livraria, perdi meu emprego regular, o que me faz de uma vez por todas rumar ao mundo das letras, devorei alguns livros enquanto esperava e me senti deprimido como todos os escritores.

Aguardo a chegada da nova edição agora refeita de Friburgo todos os dias, como um sebastianista espera o retorno de seu rei. Vendo, ao longe, um caminho de entregas carregando dentro de si o primeiro passo que me fará indelével no cânone mundial.

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