Eu já não enxergo como antes. Uma camada de fumaça eterna se coloca entre o mundo e minha vista. O olho esquerdo é o mais prejudicado, acho eu, por mais que o médico reclame do direito. Diz que eu não tomo cuidado. Que forço demais, que leio no escuro, que aperto as órbitas com muita força tentando limpar as remelas que se acumulam.
De dia e de noite, acumulam. Começou no fim da guerra, e Deus seja louvado pela guerra ter tido um fim. Naquele último salto, na França, naquela última andança atrás do viado nazista do Hitler, Diabo o carregue. No último salto eu comecei a perder a visão, a noção de que as coisas estavam distantes, próximas ou não, não sei. Sei que o paraquedas não abriu direito, e eu fui direto a um dos afluentes do Sena.
A morte do Senna, por exemplo, eu já não vi bem. Soube que ele tentou desviar, não desviou e foi de cara no muro. Eu, no meu tempo, fiz quase igual. Mas em vez de uma curva eu errei a corda de abrir paraquedas e fui no bloco de pedra que era a água, àquela distância. Naquela altura.
Imagine a cena: um paraquedista em queda livre com o paraquedas semiaberto e uma população de ocupados tomando café e comendo croissant ao longo do rio. Claro, havia franceses na Resistência, mas as margens do Sena eram espaços muito abertos para boas barricadas.
Quase caí na calçada. Mas não morri, como é óbvio, e cá estou, com a visão prejudicada e sem saber se aquele vulto que se aproxima com algo na mão é a garçonete com minha cerveja ou um antigo inimigo alemão que veio, finalmente, terminar o que começou muito tempo atrás.
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