Quando entrou no Clube, aquela noite, estranhou ver sentada uma freira sozinha, com taça de vinho na mão. Não seria aquela mesma freira que, não, não podia ser, será que era?, a mesma freira de outro dia, na sala de espera e depois refeitório, enquanto sua mente ainda pulava de cobre pra bório, será que era a freira que era no dia do almoço, seria?
Se aproximou. A mente vincada por teorias e provas, por dados e notas e relatórios científicos a entregar, pareceres nem sempre gentis a enviar, notebook para formatar, a ciência da vida a ciência da morte a ciência da ciência e mais um monte de coisas que nunca deixavam tempo nem para que ela... para que ela se aproximasse.
"Quanto mais aproximações executamos", dizia seu antigo professor, "menos certezas obtemos. A proximidade altera o grau do questionamento".
- Altere o questionamento.
A doutora se espantou ao ser trazida de volta ao mundo. Dos pensamentos profundos, praticamente caiu no presente, ouvindo a velha temente a Deus no vestido de freira e com a taça ainda cheia de sangue do Cristo nas mãos.
- C... como? Mil perdões, mas a senhora falou comigo?
- Eu? - disse a freira, espantada - Não, minha jovem, estava apenas rezando. Desculpe se a incomodei.
A jovem ajeitou a alça da bolsa no ombro, distribuindo de novo o peso pesado do material de estudo, dos quadros de estado da arte e o prumo da respiração. "Posso me sentar?", perguntou. "Pode, claro, por gentileza!", a irmã respondeu.
Um silêncio constrangedor, por fim, deu coragem à doutora, que perguntou num tom bem menos arrogante que o planejado:
- Onde está seu deus agora?
A freira, sorrindo, deu mais um gole no vinho antes de dizer qualquer coisa. Mas disse.
- Apenas sei onde estou.
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