Três anos depois que a epidemia zumbi começou, perto do carnaval de 2015, eu era o último sobrevivente. Digo, o último que se mexia, pelo menos. Em 2012 os zumbis de repente apareceram, e foi tão rápido e tão sangrento que só se deram conta depois que metade dos humanos já tinha se transformado.
A outra metade durou mais ou menos os dois anos seguintes. Milhares de fortalezas improvisadas surgiram em pouco tempo, uma mais fortificada que a outra. Lembro bem dos muros altos, erguidos com esforço, que iam acumulando desmortos aos poucos, até que tombavam e davam passagem aos andarilhos. Até hoje tenho pena dos que se refugiavam nesses lugares.
Quando o número de mortos-vivos diminuiu um pouco, na ordem de 1 bilhão, deviam existir 42 mil sobreviventes humanos em todo o mundo. Mais ou menos isso. Era difícil restabelecer as comunicações, mas houve um grupo grande de militares que se empenharam nisso. Quando conseguiram contatar os outros grupos, espalhados no continente, foi só questão de tempo até que os “resgatassem”.
Eu, particularmente, lembro do grito dos civis na hora que o exército chegou. Alguns grupos civis sequer foram contatados, mas outros tinham se refugiado em grandes estoques de mantimentos. O exército precisava daquilo. Não precisava dos civis. Lembro bem da decepção dos zumbis que presenciaram a cena, vendo toda aquela comida desperdiçada sob o fogo das armas. Uma lástima.
Mas o tempo foi passando, os sobreviventes atacando uns aos outros, os militares morrendo aos poucos. Quando a comida humana acabou, zumbis tentaram caçar animais, mas eles eram todos muito rápidos, e a carne dos animais lentos não tinha o mesmo sabor.
Até que, um ano depois das privações, algum chef percebeu que carne zumbi não era tão ruim. Até saciava um pouco a fome, especialmente porque ninguém tinha alternativa. Os desmortos passaram a agir como humanos, atacando uns aos outros, e em pouco tempo existiam grupos de refugiados zumbis em fortalezas fortemente armadas.
Eu sempre tive um pouco mais de agilidade. Não sei porquê, mas tive. Daí que perambular pelo mundo atrás de refúgios e atacar os zumbis, um a um, foi fácil. Problema mesmo foi ter percorrido todo o continente, duas vezes, e perceber que acabara toda a carne. Humanos, zumbis, não tinha mais nada, e até os animais pareciam não se reproduzir.
Um tempo de meditação, cheguei ao óbvio: minha própria carne, claro, teria de servir. Durei mais alguns anos, assim, no alto dessa montanha contemplando o nascer do sol, o pôr do sol, o cantar dos pássaros, essas coisas. Sabe, não tinha mais o que fazer, depois de comer minhas pernas todas, o tronco, ter acabado com os braços e, por um ano, devagar, comer meu segundo ombro. Obrigado, senhor último sobrevivente, por ter aparecido com sua postura símia, pelos por todo o corpo e essa enorme pedra que estás erguendo agora. Obrig...
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