O vento crispava naquela cidade quente de dia e fria à noite. Passava das vinte e três quando ele atravessava a avenida rumo a sua casa.
A cidade não era das maiores, tão pouco era aquelas que não se vêem no mapa. Um dos pólos do interior, diziam. O frio batia em seu rosto e em suas pernas nuas, pois na pressa, colocou apenas um casaco pelo frio, ficando com a bermuda.
Estava na parte mais escura da rua. Seriam mais sete quarteirões até sua casa. Odiava essa parte do trajeto, repleto de árvores que escondiam a luminosidade e casas que fechavam-se cedo. A rua ficava deserta. Ainda demoraria algumas quadras para a parte mais iluminada, a quadra com o posto e a pizzaria, onde se sentiria com mais segurança.
Mesmo nessa cidade, de aparente tranqüilidade, já fora assaltado uma vez. Na volta do mercado, na rua de baixo, rua escura, quando quatro pivetes de bicicletas pediram-lhe um cigarro e quando ele replicou dizendo que não fumava, pediram a carteira. Pelo medo de ser machucado, cedeu.
Estava a duas quadras da luminosidade do posto, podia vê-lo ao longe. O barulho dos carros que entravam e saiam, o cheiro de gasolina. Apertou o passo para chegar mais rápido, quase não viu.
Estava adentrando o ínicio da quadra anterior quando notou a movimentação. A sombra da árvore o escondia, mas via que, calmamente, ele adentrava para a parca luz.
Pensou, “se for um preto, agora não tem mais jeito. Estou ferrado.” E cerrou suas mãos com violência, dizendo a si mesmo que, dessa vez, não seria assaltado. Revidaria com força. Colocou as mãos no bolso, retirando as chaves de casa e colocou-as entre os dedos, como um soco inglês improvisado. “Esse pretinho vai ver”.
Deu um forte suspiro e prosseguiu. Passos nervosos e improvisados em rumo aquela sombra negra. Foi aproximando-se e, um talho de luz passou por aquela pessoa, seus cabelos eram brancos. Com a noite escura teve foco da imagem quando estava muito perto, quando a pessoa já saia da sombra, rumo a luz: era um velho. Um pobre velhinho, desses que poderiam ser seu avô.
Andava devagar até parar na porta de sua casa e, de maneira lenta, retirava a corrente que prendia o portão. O garoto ergueu a sobrancelha e pensou que poderia ficar aliviado. “É só um velhinho. Não vai ser dessa vez.” E soltou as chaves de novo no bolso.
Passou a rua do posto e da pizarria, avançou para a quadra de sua casa e subiu. Chegou sem fôlego devido a rapidez. Colocou as chaves sobre a mesinha da cozinha e as fitou por um momento. “Ah, mas se fosse um pretinho, ah mas se fosse um”.
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