Larry entrou no quarto abafado. O cheiro do mofo
impregnou imdediatamente em suas narinas e ele teve de suprimir uma urgência de
espirrar, tampando o nariz com os dedos polegar e opositor, enchendo seus olhos
de lágrimas.
“Desculpe pelo
cheiro”, o homem disse com uma voz aguda.
“Não se preocupe.
Eu convivo com essa alergia desde criança... é o mofo, essa cidade inteira está
tomada pela maldita umidade”, Larry respondeu, abrindo o zíper do casaco.
A mão rápida do
homem gordo voou para o coldre em seu peito e Larry congelou, travando cada
músculo do corpo. “Devagar, rapaz.” Ele ergueu lentamente uma das mãos,
mostrando a palma limpa e continuou a baixar o zíper, desta vez com calma,
quase um trinco por vez. Pensou em um pequeno trem percorrendo lentamente um
deserto devastado. “É estupido”, constatou a voz fina.
“O que é estúpido?”
“Alguém intolerante
ao mofo morar em uma ilha. Você é estúpido.”
Larry terminou de
abrir o casaco e mostrou o envelope preso ao cinto. “Não posso contra-argumentar.
Colocado assim, parece estupidez, realmente.” Estudou o outro homem. Romsey era
o tipo de pessoa que não parecia ter nascido pela vagina de uma mulher, mas
talhado em uma pedra. O queixo quadrado fazia o professor pensar nas cabeças da
Ilha de Páscoa e os olhos pequenos pareciam perdido no meio do rosto angular.
As orelhas eram duas pequenas bolas nas laterais da larga cabeça e o cabelo
estava raspado, dando espaço para um lustroso couro cabeludo. O professor
considerou se estava diante da pessoa certa e puxou pela memória o número do
quarto. Viraria uma lenda urbana, tinha certeza, seria para sempre o cara que
entrou em um quarto de motel para contratar um assassino profissional e acabou
trancado com um homossexual masoquista. O corpo musculoso e gordo de Romsey
ficava de certa forma deslocado com as roupas que vestia: calças bem cortadas,
uma camiseta branca por baixo de um colete de algodão verde e suspensórios.
Larry via, pendurado no cabideiro, a parte de cima do terno de riscas de giz. Romsey
era gordo, mas muito, muito, forte,
ele percebeu. O homem era largo e a gordura cobria um armário de músculos
capazes de impressionante demonstrações de força bruta. A voz, no entanto, era
o mais curioso naquele homem. Larry ouvira as atrocidades das quais era capaz
de realizar por dinheiro - um mercenário
contemporâneo, Ron havia dito – e presumiu uma voz ao menos mais...
máscula. Romsey tinha a voz de uma garota, fina e frágil, até mesmo trêmula.
Seria divertido, Ron afirmara. E Romsey de fato parecia capaz de promover
diversão. O professor estava estagnado em sua rotina estéril e precisava de
alguma emoção para voltar um pouco da felicidade dos dias antigos, quando
parecia que precisava correr por sua vida. Ei, aquele cara, um mercenário dos
dias atuais, o faria correr por sua vida! Tudo na segurança das regras do jogo.
Um jogo, afinal, precisa de regras e não da morte de seu protagonista. Será divertido, pensou enquanto estudava
o assassino, ele deve acrescentar uma
realidade impressionante na brincadeira.
“Sei no que está
pensando”, Romsey disse e só então Larry percebeu o tempo em que estava calado,
com os olhos vivos nas órbitas do crânio, estudando cada aspecto do rosto
esculpido, parado como um imbecil com os quarenta mil dólares no envelope pardo.
Abriu a boca, mas nada disse. “Eu fiz o terno sobre medida, um homem precisa
parecer decente nesse mundo poluído.” Olhou com um sorriso para o professor.
“Você deveria procurar um médico, há tratamentos para sua alergia. Além do
mais, é suposto que tiremos proveito do tempo em que vivemos.” Romsey retirou
um cigarro do bolso da calça e o acendeu com um isqueiro dourado. “Então”,
continuou enquanto sentava-se na cama, “conte-me as especificações.”
“O joelho direito
do alvo não está muito bom e o ombro esquerdo sofreu uma lesão da qual nunca se
recuperou totalmente. Ele corre bastante e consegue se esquivar das bolas
quando joga futebol. Não é um tolo sem qualquer coordenação, é o que quero
dizer. Muito ágil, na verdade, grande habilidade corporal.”
“Sabe lutar?”
“Kung Fu. Fez uns
anos de aula quando era adolescente.”
“E nada mais?”,
peguntou com a voz de Capote.
“Nada mais.”
“Sem golpes chiques
de Kung Fu quando chegar a hora; sem surpresas, certo?”
“Certo. Ele está
mais enferrujado do que o esqueleto do Bruce Lee, se é isso que você quer
saber.” O cigarro estava caminhando para a metade.
“Alguma arma?”
“O quê?”, a voz dele é realmente engraçada.
“Revólver,
espingarda, metralhadoras, um F-16, tacos de baseball, raquetes de tênis, rolo
para massa. Armas, cacete. O objetivo
porta ferramentas de ataque e defesa? Preciso ser mais claro?” Quando ele
gritava, Larry percebeu, a voz se tornava ainda mais estridente. Parecia que
seus ouvidos iriam sangrar.
“Não, sem armas,
acredite.” Ele disse e sufocou um sorriso com dificuldade. Seria embaraçoso
explicar que estava rindo da voz aguda do homem, além de explicar que não
estaria mentindo sobre a pergunta. Era melhor não rir diante de um assassino
profissional, aprendeu com o filme do Jean Reno.
“Devo perguntar uma
vez mais”, o homem disse, apagando o cigarro no cinzeiro. “Você tem certeza de que
quer isso? Quando você pisar para fora deste quarto, não haverá volta e irei
cair sobre o contrato com a fúria de mil deuses indianos, daqueles com oito
braços cada um. Eu vou pegar pesado, vou implodir o mundo do filho da puta
nomeado pelo contrato.”
“É exatamente o que
eu quero. Não hesite, derrube seu mundo sobre o cara. Essa é a emoção do jogo,
certo?”
“Jogo?”, ele parou
para pensar. Por fim, sorriu sinceramente. “Sim, acho que você pode colocar
dessa forma. O cara nunca vai saber o que está acontecendo, apenas que tudo que
lhe é sagrado será queimado com C-4... e quando tudo for destruído, aí sim eu
dou o tiro final”, ele bateu dois dedos gordos no centro da testa. “Dizem que
quando você atira na testa de alguém, a pessoa ainda sente dor antes de morrer.
É minha assinatura profissional, gosto de saber que meu alvo morreu em agonia.
É um jogo mental com um final glorioso. É um jogo, sim.”
Que autenticidade! Larry já podia
sentir a adrenalina percorrer seu corpo. Seria caçado como um animal, teria de
correr, se esconder, fugir. E lutar de volta. Essa era a idéia: acurralado por
um predador muito mais forte que ele. Essa era a emoção do jogo. Ron já
participara quatro vezes. “Aqui estão os detalhes. Horários, dados de
familiares, senhas de e-mail, do banco... tudo que você precisa saber sobre o
alvo”, entregou o pen-drive com absolutamente tudo que havia sobre sua própria
vida para o assassino. Alea jacta est,
pensou. Que os jogos comecem!
Romsey pegou o
envelope com o dinheiro e levantou-se da cama, estendendo a mão forte para o
professor. “Isso será interessante, Larry. Você é um cara curioso.”
Larry sentiu o
aperto firme do mercenário. Sim, sou
curioso, acho. Quarenta mil é uma quantia boa, espero que esteja contratando um
cara bom para o jogo. O professor fechou o casaco e saiu pela porta. Sem volta, agora tenho que ficar de
prontidão 24 horas. Desceu pelas escadas do velho motel e passou pelo
recepcionista gordo sem dizer nada. D ma
da No te, dizia o letreiro gasto. O motel em estado de abandono, o
assassino profissional peculiar, esperando em um quarto escuro... a brincadeira
estava no início e Larry sentia a emoção de todo o projeto. Andava sem prestar
atenção para onde ia e bateu o ombro, cuja lesão nunca havia curado plenamente,
em outra pessoa. Virou-se para pedir desculpa para o outro homem quando viu que
um envelope caiu aberto no chão, espalhando centenas de notas verdes. O
dinheiro molhado no chão, o envelope pardo, o rosto assustado e fragilizado do
homem que se apressava em pegar todas as notas e sair daquele estacionamento...
Um clique foi acionado no cérebro do
professor.
Suas pernas
tentaram acompanhar a urgência de sua mente e o joelho ruim falhou no meio da
escada e ele caiu alguns degraus. Sentiu sangue escorrer por sua perna. Quando
chegou no quarto em que estava, chutou a porta, abrindo-a com um estrondo.
Vazio. No quarto, apenas a fumaça do cigarro semi-fumado e o cabide sem parte
do terno.
“Você é o Larry?”,
escutou e deu um pulo. Um homem magro de óculos grossos perguntava, parado na
porta ao lado. Ele parecia um lagarto com aquele rosto fino e olhos
esbugalhados pelas lentes de correção. Larry andou até ele e empurrou-o com
violência, entrando no cômodo vizinho. Viu, com crescente desespero e cruel
clareza mental, um par de metralhadoras e pistolas repousadas na cama. Elas
pareciam reais, não fossem os sacos de bola de tinta ao lado. “Elas parecem
reais, não é?”, o homem magro fez eco de sua mente, com um sorriso orgulhoso.
“O jogo é bem legal, você verá!”
‘Irei cair sobre o contrato com a fúria de mil deuses
indianos, daqueles com oito braços cada um. Eu vou pegar pesado, vou implodir o
mundo do filho da puta nomeado pelo contrato’, escutou a
voz feminina do assassino em sua cabeça.
Olhou do parapeito
do corredor. O homem com o envelope estava saindo com um carro escuro, sumindo
do campo de visão em poucos segundos. O
homem com o envelope certo... porra! Com o nome certo para Romsey, Larry
pensou. Minha vida acaba com uma bala na
testa e a porra da voz do Truman Capote!
Ele tentou planejar
o que fazer.
“Está tudo bem,
Larry?”, o homem magro perguntou.
Larry então
percebeu o que estava acontecendo. O jogo havia começado. O homem do
estacionamento, o quarto vazio... o jogo já começara. “Começou, não é? O
jogo... o jogo já está acontecendo, certo?”
O outro homem
arrumou os óculos grossos no rosto e o olhou com indagação estampada no olhar,
perdido, confuso.
“Certo?”, Larry
perguntou novamente, com uma voz aguda e trêmula, um pouco parecida com o
Capote. Ou com Romsey.
Bela descrição do cenário! Só eu me lembrei do Concorrente, do Stephen King? Mandou muito bem, Mau!
ResponderExcluirVini, o concorrente é uma novela do Livro de Bachman? Eu li 2 novelas das 4, acho que pulei o concorrente... Falta ele e o Longa Marcha.
ExcluirObrigado por ler =)