- É por isso que meus pés estão sujos de lama. Estou te dizendo, andei duas horas naquela floresta, com a cara no sol e a sola da bota batendo no barro, estou te dizendo. Não sei quê me deu, só sei que fui - como sempre.
O interlocutor bebia calmamente, fumava um cigarro sob o aviso de "é proibido" e olhava o amigo. Além das lamas nas botas, o amigo tinha a alma na lama, isso era fato. Ao menos ontem, pensava o interlocutor, ao menos ontem ele estava na lama. Mas agora...
- Desci do ônibus e vi uma trilha por entre as árvores, pra lá da cidade. Era outro caminho, não sei bem pra onde, era um caminho sem estrada asfalto fumaça sem gente e com mais sol que o normal na cidade. Sei lá. Só sei que fui.
O narrador sorria. O outro pensava, entre um gole e outro, que ele talvez não estivesse mais com a alma enlameada. Fumava.
- E por duas horas andei ali, seguindo a trilha, às vezes direita, às vezes esquerda, pisando nas poças e, volta e meia, parando um pouco pra olhar o lugar. Era engraçado, sabe? Aquela floresta cheirava a igreja. O cheiro bom de igreja, cheiro de incenso de igreja, mas tinha mais sol e brisa, e os pássaros cantavam. Andei lá por horas. Duas, acho.
O interlocutor era silêncio. A floresta também.
- Só sei que, quando vi, estava ao pé de uma igreja enorme, já fora da mata. Não sei. Uma igreja enorme. Durante o caminho minha cabeça parou de girar e pensar em mil coisas, lembrei a cada passo de apenas pensar em andar, durante a floresta eu não estava preocupado com nada e a mata cheirava a incenso. Chegado na igreja, não sei... as coisas mudaram. Lá não havia silêncio, tinham pessoas demais e o padre falava pelos cotovelos.
Ambos se olharam.
- Quando olhei pros meus pés achei que não havia lama suficiente. A trilha continuava chamando, em silêncio. Eu gosto de conversar assim.
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