Contemplo o silêncio equiparado a minha dor. Lembro-me da última vez que torci um dos pés viciados. A velha dor conhecida que surge, de tempos em tempos, no caminhar descompassado.
Fiz uma promessa a mim mesmo naquele dia. Sentir a dor. Não me tornar escravo dela e aceita-la. Caminhei por muito tempo firmando os dois pés no chão, com força. Meus dentes rangiam de dor, a testa arqueava mas meu passo não cessava. Mantinha-se contínuo. Aceite a dor, eu dizia. Mas a cada passo no chão, uma força lacerante gritava não dentro de mim.
Nos últimos meses, envelheci mais do que deveria. Bebi a poção reversa, tomei banhos em águas antigas. Admirei por dias minha dor nas costas, até ela ser a regente de mim. Forçar-me a dizer"desisto", ajoelhar ao chão e confirmar que a agudeza crônica de uma dor não guarda nenhuma beleza.
Ontem meus olhos abriram como fazem todos os dias. A luminária do quarto acesa, estranhamente dando-me mais conforto que a escuridão total. E a senti. Outra dor. A sensação fulminante debaixo da sola de um dos pés. Evitando que eu caminhasse com destreza natural.
Repassei meu dia anterior e nada, exceto força que fiz para retirar um encaixe, justificaria tal dor. Estava, novamente, a mercê de ninguém. Me transformava na gargalhada no escuro, na zombaria de Deus.
Os poucos passos que dei incitavam meu pé a inclinar-se, tamanha dor. Mesmo com a esperança de uma noite de sono purificadora dessa dor, meus olhos se abriram como fazem todos os dias e a sola de meu equilibrio, mais uma vez, me enganou.
Cada ato bufão de minha dor, cada marca que me compele a uma sensação de desamparo, me aproxima mais da tristeza noturna. Do espaço obscuro onde todos sofrem do mesmo estigma. Muitos longe do silêncio, sussurando a ladainha profunda de quem, para sempre, viverá em abandono.
É quando meus olhos se fecham, fazendo com que a cegueira impeça que ocorra lágrimas furtivas. Lágrimas que não me permito chorar. Não por mim, não pelo homem que sou.
Sento-me na cama de olhos prostrados ao chão como meu maior desafio. Primeiro a perna boa, direita, depois a dolorosa. E levanto. Mantendo-me com os pés abertos, a procura de equilíbrio.
Uma parastesia sobre dos pés até minha garganta, fechando-a em um nó. Prendo a respiração, esmago os dentes um contra os outros, alimento me dessa nova dor. Novamente, ouço a mim mesmo. Enfrente-a, você pode supera-la. Mas cada passo é mais um entalhe cravado. Pulso de dor que me corrói até o estômago.
Retorno a sentar. O silêncio é a unica matéria viva nesse cenário, além de mim. Estou só. Compreendendo da maneira mais fria e dolorosa as palavras indizíveis por nossos pais. Nossa condição é estarmos, apenas, a margem de nós mesmos. Ilhados em um abismo.
Sem pedidos de socorro. Sem ajuda. A mercê de nossas próprias causas, dos punhos que deferimos, do sangue que escorre nos lábios.
Introduzo o ar para os meus pulmões. Cerro as mãos com força, imaginando que elas podem sangrar. Estou sozinho e nada mudará esse fato. E levanto. Os dois pés cravados ao chão. A dor torna-se mais aguda, minha respiração aumenta. E continuo. Por si só prossigo até desistir e me render a ninguém.
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