“Não, não fumo”, o novato me olhava com desconfiança. Retirei o dinheiro amassado do bolso e repeti a ordem. “Compre a marca mais barata, que tiver. Como é do meu bolso, tanto faz”. Seu olhar explodia em minha direção. “Não fumo, cacete. Preciso dele para deixá-lo nervoso, vá logo”.
E sentei. Teria de esperar o novato voltar para continuar. Apertei o nó das mãos, doloridos. Arranquei pedaços de unha e fui a cozinha fazer um sanduíche. Pão e maionese. O patrão estava cada vez mais econômico. O relógio marcava trinta minutos quando o moleque voltou.
“Esse tempo para comprar um maldito maço de cigarro?”, e lhe dei um tapa na nuca, “garoto, você é o mais novo aqui, se brincar dessa forma com outros, vai ser o mais novo a morrer”. Ele estremeceu, agradeci pelo maço e entrei na sala.
A luz estava direcionada para a cadeira. Nela um homem de cabeça baixa, com semblante cansado, virou em minha direção. Normalmente, eu não tinha empatia por quem sentava nela. Mas o crápula parecia meu irmão, impossível não sentir a ponta de alguma coisa.
Joguei no balde o pano ensangüentado e limpei seu rosto, uma passada rápida. Um dos olhos desfigurados pelas horas em cativeiro.
Peguei a cadeira do canto, virando-a para sentar. Cerrei os olhos, projetei uma voz sem emoção, “está pronto agora?”. Retirei os cigarros do bolso, realizando um ritual lento até acendê-lo.
Nesse momento, o pânico sempre aumenta. Vejo seus corpos se movimentando nervosos, sabem o que está por vir. A primeira golfada vai direta ao seu rosto, sem chances de tossir, agarro seu queixo, erguendo-o violentamente. “está pronto agora?”.
Em sua mudez, vejo a hora de atacar. Aproximo-me com o cigarro e a cada palavra ele se retraí. Mais próximo, mais próximo. A mão que seguro tenta fugir, escapar-me. O instinto de sobrevivência que não morre. Mas cravo a ponta quente nela.
Ele urra. Agüenta apenas seis. Um caminho de formiga, como costumo chamar. E, cospindo saliva, diz as palavras mágicas. “Eu digo”.
Saio cedo. Meu trabalho está feito. O que vão fazer com o rapaz, parecido com meu irmão, pouco importa. Passo no bar, talvez o mesmo que o muleque comprou os cigarros e peço chicletes mentolados. Odeio o gosto de cigarro, mas faz parte do papel brutal. Faz parte da intimidação da tortura, as queimaduras vivas.
Procuro no bolso o dinheiro, e me lembro que o novato não me devolveu o troco. Diabos, era o único que eu tinha. “Aceita um maço quase cheio de cigarros?”. O dono do bar, de dentes amarelos, sorri, “mas é claro”. E abrindo um dos chicletes, lhe jogo o maço. “Fique com essa porra, eu odeio. Vai te matar um dia, mas ai, qualquer um de nós vai.” O homem concorda comigo acendendo um trago e volto para casa pensando em ninguém.
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