Entrei no corredor até a porta de ferro. Hilda, a secretária, a abriu com um clique eletrônico à distância. Eram três horas da tarde, pontual como um britânico. Sozinho na sala de espera, sons de máquinas agudas me diziam que o dentista ainda não acabara com o paciente das duas e meia. No teto, uma caixa de som embutida cantava músicas de elevador. Permaneci olhando a caixa oculta até ser chamado.
A consulta era mera rotina. Certificar-me que os dentes estavam em boas condições, como pareciam no espelho. Porém, a consulta não existira sem ela. Sem o momento de alegria rumo a estranhamento, de cinco dias atrás.
Era nossa primeira conversa íntima após muito tempo. Corpos que se aproximam cada vez mais, prestes a se colidir em um beijo. O que aconteceria naturalmente não fosse sua catastrófica halitose.
Meia hora depois dessa cena, sozinho na frente do espelho, fitava meu sorriso. Perguntava-me se haveria algo de errado com eles, algo oculto que, como ela, desse um mal hálito tão arrasador.
Cento e cinqüenta reais por um polimento e curetagem em placas de tártaro. “Não se preocupe, tudo está perfeito. Só encontrei problemas naturais onde a escovação é difícil, procedimento normal”. Um ponto para mim, zero para aquela garota.
Desde minha adolescência, Otávio é meu dentista. Seu profissionalismo e boa simpatia nunca fizeram-me procurar outro. Revê-lo sempre é uma boa experiência para conhecer novas histórias.
A clínica é a mesma há anos, salvos por demãos de tinta. Paredes de madeira antiga, sofás encostados na parede, a caixa de som no teto, do lado direito. Na parte esquerda da sala de espera, uma porta para um pequenino quintal a céu aberto.
Sempre fui intrigado por uma porta nesse quintal, menor que as demais, parecendo um pequeno quarto de brinquedo. Quando a consulta foi encerrada, lhe perguntei a respeito dos quartos. Era uma despensa quase vazia de caixas que precisavam ser jogadas fora.
A idéia de uma porta diferente chamou minha atenção. E num impulso perguntei se poderia ficar com a sala. Um aluguel barato pelo uso de uma sala desperdiçada. Um espaço para trabalhar.
Chegaria no horário que Hilda abrisse o consultório e iria embora no mesmo horário. Faria café, quando tivesse vontade, e não atrapalharia-o de maneira alguma. Usaria o espaço para escrever e, como uso um computador, não teria barulhos das letras da máquina de escrever.
Precavido, Otávio prometeu-me pensar. Mas eu sabia que aquela sala seria minha. Não haveria razão para não me acolher. Primeiro, pela amizade longa que tínhamos, mesmo profissional-paciente, e por um dinheiro extra que não faria mal a ninguém. Talvez a meu bolso.
Dias depois estava eu abaixando-me para entrar naquela porta, após retirar todas as tralhas que pareciam estar lá há anos. Sentei-me no chão visualizando como aproveitaria o espaço. Uma escrivaninha com cadeira no lado contrário da porta. Não precisava de mais.
Após a movimentação da mobília, de segunda a sexta feira eu me encontraria no quarto dos fundos da Clínica Orto Dental do centro sul da cidade, intentando escrever e trazer a tona a inspiração que eu acreditava possuir. Ter um novo espaço me parecia um bom começo, afinal.
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