O portão anunciava a chegada do homem em um som gritante. A vizinha espiava através da cortina translúcida, corria ao telefone e avisava as amigas. “Ele voltou”, dizia.
A casa estava suja pelo pó e pela ausência de limpeza. Mas ele não se importava.
Empurrava a sujeira com o pé enquanto abria a porta e o que ficasse, lá ficava. Acendeu a luz, mas ela oscilou e piscou, deixando a sala no escuro. Teve de ir até a cozinha em busca da luminosidade. Abriu a porta e o encontrou quase no mesmo lugar que o deixara, duas semanas antes.
O cachorro levantou os olhos para ele, na esperança estúpida de ser notado. Mas seu olhar seguia firme para o interruptor. Somente quando o acendeu, notou o volume no chão.
Havia o seguido há quase um mês para a casa. Em um momento de fraqueza, sentou na calçada e fez uma carícia. Bastou um toque no animal para que o canino sentisse em casa. E o acompanhou na longa caminhada para casa.
Parou no caminho para comprar um sanduíche e, como estava com o bolso forrado de dinheiro, comprou um para o animal também. Jogou no chão, fazendo com que ele se quebrasse em pedaços. Mas o cachorro não se importou. Comeu de maneira feroz, entupindo a barriga marcada pelos ossos.
E lá estava em sua cozinha, enrolando em si mesmo, esticando a cabeça perto de seu pé. O homem suspirou e não reagiu. Imaginou que ele deveria estar com fome. Abriu a geladeira e jogou um enlatado aberto no chão.
Voltou para a sala, esvaziando os bolsos, foram duas semanas promissoras. Não que tudo estivesse no casaco. Guardava na casa de um amigo, para evitar a justiça.
Cochilou. Não viu que hora despertou mas já era madrugada, o cachorro o fitava na sala. O que foi, perguntou. O rabo do animal começou a se balançar. O homem caminhou até a janela, o posto já tinha fechado. Merda, disse alto, com fome e sem comida. E o cachorro aproximou-se. Não estou falando com você, maldito. E forçou o pé contra o ventre do animal. O impacto o fez ir para o lado e gritar. Sentar resignado em um canto, com olhos de dor, mas ainda com esperança.
Era caminhar ou passar fome. E ele optou pela primeira opção. Teria de ir mais longe por qualquer porcaria que matasse sua fome. Os olhos estavam embaçados pelo sono.
Meia hora para ir e para voltar, já tinha comido e bebido no caminho, jogado os restos no chão. Nada para o cachorro. Estava cansado, nem percebeu que a luz da cozinha estava apagada.
Foi um baque seco. Um choque em seu ombro que o fez se deslocar para o chão e policiais que brotaram do chão, ele diria, mais tarde, em seu depoimento. No cansaço, cometeu o deslize de dizer ao homem do posto quem era e, conhecido da polícia, precisou apenas de quinze minutos para que decretassem sua prisão.
Ele sabia que esse dia ia chegar, era inevitável. Mas não suspeitava que justamente aquele animal, aquele maldito cachorro, bradaria de maneira tão feroz contra aqueles policiais. Latiria como se cuidasse de sua própria vida, ameaçando-os.
Com as mãos nas costas, sendo levado para a viatura, pousou seus olhos que iam se distanciando do cachorro. O único que havia o defendido até então. Tinha sido sua única família e, por um momento, sentiu remorso.
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