A data inicial do projeto perdeu-se com o tempo. M. P. Mattos não se recordava quando a idéia primordial surgiu em sua cabeça, mas lembrava-se dos meses seguintes em que, debruçado sobre livros e papéis, trabalhava em sua execução.
Engana-se quem pensa que seu projeto mudaria o mundo. O futuro não só estava exposto lá fora, como era vívido ao seu lado, em seu fiel companheiro, Amper. Há tempos os robôs faziam parte do cotidiano humano e, até dado momento, nenhum se tornou mais inteligente que o homem e urgiu uma rebelião. Tudo estava calmo.
O processo a que M. P. Mattos trabalhava era delicado. Envolvia a biologia humana em todas suas faces. Foi necessário consultar amigos profissionais do ramo. Diversos que lhe bateram a porta até um que, feliz com o desafio, concordou com sua loucura.
Era uma ferramenta de engenharia tão bem produzida que, em todos os testes, supria perfeitamente a parte humana. Era ainda melhor, impedia que eventuais acidentes ocorressem. O que poderia, muito bem, deixá-lo viver mais.
Possuia o tamanho do original, menor do que um punho, e funcionaria da mesma maneira tradicional, conhecida pela medicina desde que o primeiro homem resolveu abrir outro para descobrir o que era aquilo que batia dentro de si.
Ninguém contrariou M.P. Mattos. Estava concentrado para realizar seu desejo com afinco. Era o sonho de sua vida. Uma alma que segue em linha reta sem enfrentar problemas. Sendo capaz, apenas, de ser aquilo que quer.
O amigo fez o corte no peito de Mattos com cuidado, observado por Amper, seu assistente-robô. Tem certeza?, perguntou. E ele deu um longo suspiro.
Dentro de si as imagens sincoparam em belos momentos, que chegaram a, momentaneamente, acelerar seu coração. Aquele objeto que, em segundos, seria desligado de seu corpo. Sim, tenho, confirmou.
Cada artéria e veia recortada do corpo do paciente desligava de uma vez por toda seu coração. Destruía uma máquina viva de sentimentos que, por vontade própria, M. P. Mattos decidiu abdicar. Tantas batidas de tristeza e mágua havia se desprendido daquele coração. Dando-lhe a única certeza de que, para viver, seria necessário não mais amar.
Era a solução do coração de metal construído por ele e seu fiel amigo robótico. Uma composição que não guardaria em si amores e tristeza, mas sim, apenas bombearia seu sangue e o faria viver, sem ser escravo das incertezas.
Foram cinco horas para finalizar a cirurgia com a certeza de que aquele coração de lata não rejeitasse seu dono. M. P. Mattos acordou eufórico. Dolorido, mas vivo.
Imaginava que a partir de agora teria uma vida plena. Sem a sombra dos enganos, e os laços do amor, que só apertam, como nós. Tudo que seria capaz era observar o mundo, sem ama-lo de fato.
Era assim o retrato que tinha de sua felicidade.
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