O sacerdócio lhe deixava ocioso a maior parte da semana. Levantava cedo, fazia suas orações, tomava um banho e vestia as pesadas roupas da vocação. Nos sábados realizava o café da manhã para os pobres, com a ajuda das senhorinhas da paróquia, mas bom tempo passava com os dedos sobrepostos entre si.
Refletia sobre Deus, a própria condição de servo, sabendo que sua crença as vezes se abalava. Refletia sobre os pensamento mundanos que ouvia nas confissões e, por muitas vezes, se aventurou por eles a conhecer o mundo como não conhecia antes. Lera livros além da bíblia, assistia filmes, mesmo que o cargo superior lhe olhasse com maus olhos.
Começou quando o marido de uma recente pároca, Dona Cota, foi fazer sua confissão. Disse ser homem de pouca confissão, mas de muitos atos. Por isso que sua história demoraria um bocado. Regediu ao inicio do ano, onde ainda era um homem que perseguia a retidão, para aquele que hoje era: bandido.
Temia a Deus, a força dos trovões divinos a cair sobre ele. Mas era necessário, pelo bem da família. Eram cinco bebês para alimentar e o corte de cana, seu trabalho anterior, não lhe deu o que merecia. Mas a coca transportada pela fronteira sim.
Tinha rosto de homem honesto, ainda. Passava desapercebido pelos minguados guardas da fronteira, mas era apenas um transportador. Nada mais. Um filho novo vinha no bucho da esposa e precisava de mais, disse ao padre.
E esse era o problema de quem permanece boa parte da semana sem nada a fazer. Para o padre, do outro lado do confessionário, seria uma aventura. Talvez a mais excitante que tivera e, mesmo hesitante, propôs.
“Você sabe que vendemos ídolos com a imagem de nosso Senhor, produzidos pelas próprias senhorinhas da paróquia, não?”. E viu, pelas gradinhas, o homem assentindo. “José” – e o homem olhou-lhe como pode – “sua vida resolveria e você ainda acreditaria e temeria a Deus se eu te ajudasse a traficar essas drogas? Coloca-las dentro dos ídolos e vendermos por ai. Matando dois coelhos com uma oração só? Seu problema de dinheiro e o meu, que preciso conquistar mais fiéis para essa paróquia não fechar?”.
E estava feito o plano. Produzido pelas mulheres, o padre se encarregaria de colocar a droga dentro deles, que José chamou de Espírito Santo, e enquanto o padre proclamava o amor de Cristo na praça, José avisava os viciados de que encontrar-se com Deus, não seria, necessariamente, algo careta de se fazer. E que, afinal, eles tinham a benção Dele, do Divino, em pessoa para tal.
Era uma tarefa árdua. Discursos todos os dias na praça. Os superiores ficaram satisfeitos com o padre, por agregar mais almas para as missas. E, ele, feliz. Por conseguir gastar seu ocioso tempo livre, dedicado ao sacerdócio, em qualquer bobagem que pudesse esquecer o tédio de sua vocação.
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