Ele era um boxeador, ou ao menos parecia um, para ganhar uns trocados. Dizem que, ao enlouquecer, fez seu oponente engolir a maioria dos dentes, em meio à massa vermelha de sangue. Metade do público se espantou e outra dobrou suas apostas.
A primeira vez que vi Vinicío, conhecido no meio da luta como O Vertical, por ser ágil e magro feito um palito, fora quando, entrando em meu escritório, tirou uma foto dobrada em quatro do bolso, pedindo que realizássemos uma investigação sobre a moça da foto, desaparecida. "Dinheiro tenho pouco, mas aposte em mim na próxima luta que posso te garantir uma quantia de três zeros, no mínimo".
Dentro do nicho do boxe não profissional é o dinheiro de apostas que conta. É ele que sustenta a vida mirrada do boxeador, dos apostadores viciados em bebida que, normalmente, usam o dinheiro que ganharam para mais uma rodada recheada de licor e prostitutas.
O caso da loira foi resolvido rapidamente, fiz uma aposta graúda a favor do Vertical e me garantiu certo dinheiro. Mas dessa vez era diferente, era a mulher daquela foto que adentrava o meu escritório pedindo ajuda. Ao que parecia o boxeador não cedeu a uma luta que, supostamente, deveria perder e, evidentemente, deram um sumiço no Vertical que, a essa hora, poderia estar bem deitadinho. Pela marca branca que aparecia em seu dedo, ela tentava esconder um casamento de nós. Se não eram amantes, ao menos tiveram um passado.
Odeio casos de adultério. Mas quando a renda começa a ficar escassa, resolvo casos até para descobrir o rabo do cachorro. Dinheiro é dinheiro, e é ele que paga os vícios meus e do meu sócio.
Normalmente, o jogo entre eu e ele é simples. Faço o papel do detetive atencioso e ele do escroque. O que faz perguntas indiscretas, dando sempre a impressão de que sou mais atencioso na investigação, embora ele seja bem mais esperto que eu.
"Vocês estavam tendo um caso?", foi sua primeira frase ao entrar na conversa. Eu sorri de leve e o fitei, para concordar de que entrava em seu jogo. Ergui a mão em sua direção, como quem diz seja educado, e retomei a fala. "Senhora, essa pergunta não nos convém, mas qualquer informação concreta que passe para nós será útil para a investigação. Me diga, você tem certeza que pegaram o Vertical? Ele simplesmente não fugiu por ter ganhado uma luta que, todos sabiam, deveria perder? Nós somos detetives, dona, desaparecimentos são mais fáceis de se protocolar na polícia".
Porém ela já havia tentado a polícia. Prestou um breve depoimento para o delegado Malaspina, um corrupto desgraçado que nos odiava pelo fato de que eu e Leandro fôssemos mais competentes que todo seu contingente. Sempre que possível se metia em nossas investigações, tentando amarelar tudo, usando o argumento da maldita jurisdição. Aos diabos com a jurisdição, quando me mandam fazer um trabalho, ele é feito. É para isso que recebo altas quantias de dinheiro que pagam meu vício e os ternos de linho de meu sócio.
A questão é que não sabíamos, a essa altura, se o Vertical tinha sido eliminado pelo seu treinador, que, boatos, tinha perdido uma boa quantia de grana quando ele desferiu aquele golpe quase fatal no oponente, ou simplesmente tinha fugido de medo.
Passamos uma hora anotando tudo que a loira sabia sobre o caso. O quanto o boxeador tinha lhe contado a respeito de seus trambiques, qual era a relação dos dois e, o mais importante, no final da sessão, deixado a bela quantia de dinheiro que agora estava metade na minha mão, metade na de Leandro.
Acendi um cigarro e fui pegar um refrigerante no frigobar velho que tínhamos no escritório. Voltei-me para a janela, notando que o tempo estava para fechar. A loira tinha acabado de sair do prédio e estava em meu campo de visão.
"O que acha?", perguntou meu sócio. "Caso típico de um cagão que deve ter fugido porque teve bolas para uma atitude corajosa, mas não o suficiente para enfrentar seu chefe. Parece que ela está envolvida no meio, por isso a culpa por seu sumiço", respondi.
"Eu quis dizer sobre a loira", replicou a mim. Permaneci tomando o refrigerante, pois odiava álcool, pelo maldito refluxo, até que ela saiu do meu campo de visão. Seus cabelos longos, um pouco abaixo do ombro, as calças jeans que pareciam velhas e o rosto ainda novo não me faziam concluir nada além do que eu já sabia.
"Eu acho que esse desgraçado arruinou sua vida e sua carreira por causa dessa mulher", não que coubesse a mim julgar isso. "Mas você sabe como são as coisas". E Leandro me olhou, como quem esperava o desfecho de minha frase.
"O problema são as loiras, meu caro. Essas desgraçadinhas são sempre fatais." E, erguendo sua parcela inicial do dinheiro daquela investigação, ele sorriu dizendo amém. "E graças ao nosso trabalho, esperamos que seja sempre assim". E acompanhei seu riso, mais para fazer seqüência ao ritmo descontraído do que por rir de fato. Afinal, tínhamos uma investigação em cima da mesa para dar início.
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