Na parede há marcas de umidade. Mais uma chuva interminável que terminou por se infiltrar. Nas marcas, há faces, a face de alguém conhecido conhecido, que já vi espalhada pelo meio da multidão. Quem diabos era a face, a marca, quem é a umidade, meu Deus?
Não sou eu. Espelhado na parede ensopada, no máximo meu estado de espírito. A face é mais que isso. Nem mesmo é u'a face, face. É mais como uma sombra, um ícone, uma imagem silhueta em aquarela. Mas quem diabos é ela, meu Deus?
Não é Virgem Maria, decididamente. É um perfil de homem, antigo, perfil de homem antigo desconhecido familiar. Quem será? Não posso saber quem é, não posso ver, está o vulto mas os traços não tão lá. O que será? O quem?
Sentado na escola, hoje cedo, vi um reflexo que deu medo porque lembrava a forma úmida da escadaria. A forma desconhecida. Um reflexo periférico, o mesmo mérito de não se definir quando o olhar fixa o ponto, fixa o teto. Os dias vão passando, a chuva pára, o verão volta
mas a marca não se solta da tinta escada acima, escada abaixo. A marca não se vai: seca e permanece honorável, vista a vista todo dia em que passo. Escada saída de casa, todo dia. Marca seca. Mas quem, porra, quem?
E um dia, súbito, bêbado, meia-luz de testamento, sento a olhar pra lá. A mancha ri. Define o riso quase nulo, sarcasmo puro, cabelos bicha-vitorianos. Segundo plano: é Oscar Wilde quem me olha, é Oscar. Reconheço o que pouco a pouco foi formando no meu peito, aquela dúvida e reconhecimento. Reconheço.
E pouco a pouco me desfaço em pó.
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